segunda-feira, outubro 22, 2007

Vida de ilhéu

"Com Deus me deito, com Deus me levanto, com amor e graça, do Divino Espírito Santo" - Era assim a sua reza matinal. Eu, calada no meu leito, olhos esguios na transversal, vigiava aquela mulher cuja idade se desenhava nas rugas do rosto e das mãos. Por vezes, sentava-me perto dela e esticava-lhe, com os dedos, aquelas torres de rugas sobre as mãos. Ela sorria e eu queria que ela me dissesse: "Um dia terás as tuas...". Actualmente, quedo-me nesse pensamento como que com medo de olhar as minhas mãos e ver os mesmos montes de pele, sinal de que a idade está a pesar muito... Tenho medo de envelhecer e de ficar só e as minhas rugas sem ter ninguém que brinque com elas...
De novo, volto àquela ladainha do amanhecer de ilhéu:
- "Com Deus me deito, com Deus me levanto...". Parei neste ponto... Hoje, raramente balbucio esta reza que decorei por ser bonita e fácil. A pressa do levantar nem deixa que se balbucie rezas rimadas e bonitas como estas... Não dá tempo, não se tem tempo, corre-se desenfreadamente para as rugas que, por vezes, nem se chegam a alcançar porque se morre mais cedo do que antigamente. A vida de ilhéu já não é o que era no tempo desta mulher linda de cabelos alvos de neve, com um olhar de um azul transparente onde se conseguia avistar a pureza dos seus sentimentos... Tenho saudades de lhe vigiar as rezas matinais e nocturnas. Aos anos que não as ouço porque só resta a recordação.
A vida de ilhéu apetece recordar... Aos poucos darei conta dela.

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